FINDA [Litania em tempos de coronavírus]

Poesia José Luiz Tavares

A que não aguentamos esperar
vai-nos ensinar.

In Música do Futuro, Hans Magnus Enzensberger

Depois, sim, que agora
estamos vivos.
Depois – quando o espirro
expirar.
Depois – quando tiveres
pó na goela.
Não agora – que agora
estamos vivos,
mesmo se nos interditam
a livre ciência do abraço.

Antes, sim, com os braços
portentosos.
Antes – sim – de o torpor
(n)os desemparelhar, com uma vénia,
pois, sim senhor,
que nunca é cedo para o terror
de, em campo aberto,
se desp(ed)ir do disfarce da vida.

Depois, sim,
porque a catástrofe caminha,
os monstros se desfazem
em ternurenta ladainha,
dizendo à vida enclausurada
que não tarda a primavera,

mesmo se a morte subterrânea
viaja pelo éter, e nas florestas da alma
o som da peste mais do que simples
rima a atafulhar, sonolenta, os ouvidos
é um rude ininterrupto canto.

Antes não, que te falta
a trela e o apito,
e a cara é sem rugas,
e a morte concorda contigo,
e tudo é mão de amigo
mesmo se te espreita
o tempo inimigo.

Depois sim, que estar vivo
é cedo encarquilhar-se;
não, não agora, porque estás
no imperscrutável interior,
e desconheces o limite ulterior,
e não sabes pedir por favor
o socorro amplamente sufragado. 

Agora sim,
que é antes de toda a dor,
e ainda no corpo tens tanta cor,
e sobe-te à boca
cento de sabores.

Mas ainda não ao grande sim,
porque maravilha-te estar aqui
(só mais um instantinho),
embora penses na mão da eternidade
ou como é doce o despenhamento.

Antes não
— porque há a verdade
que desconheces,
e porque verdadeiramente nada sabes
tudo desejas devotamente.

Não ainda — que os teus ossos
não sabem a alcatrão,
nem depois — que o esqueleto
é pertença do patrão.

Não depois,
mas agora sim,
porque tens fogo nas ventas,
mascas pó e polenta,
e o tempo inimigo te diz
que tudo se há de compor.