Lopes e os Conspiranóicos

Crónica Ricardo Salomão

Quando eu crescer quero ser criador de conspiranóias.

Durante esta pandemia, a avaliar pelo volume e quantidade de narrativas que vieram ao meu encontro explicando a verdadeira natureza da realidade que os meus sentidos captavam foi uma revelação. Esta será decerto uma das atividades profissionais mais promissoras desse futuro.
Não vos vou falar das belíssimas, elaboradas e intrincadas histórias que recebi. Mesmo que todos acabemos suecos, com chineses malévolos na sombra, Prémios Nóbeis a disparar canhões e a CIA, claro. É imprescindível. Mas eu, aqui, nada. De mim não saberão nada. Sou um poço.
E não escondo a minha motivação: Fazer a Caparica Grande de Novo. Já encomendei os bonés.
Há uma arte da plausibilidade narrativa que está a nascer mesmo por baixo dos peitoris das nossas varandas. Como as andorinhas. Lindas, lindas, cheias de esperança, beleza e elegância contra o azul celestial de verão. E depois, em volta dos ninhos, uma Trumpa.
Coitadas das andorinhas, não mereciam a analogia. E não, analogia não é um abstruso procedimento cirúrgico anal.
Uma boa conspiranóia tem de explorar estas fronteiras porosas da nossa mente. Dar um empurrão sonso ao verdadeiro significado das coisas e das palavras e enfiar-lhes outro à surrelfa. Ou – obras primas! – substituir por coisa nenhuma. Afirmações tão vagas que podem ser tudo, acusações genéricas e de cabal e inapelável julgamento, crucificando alguém que, convenhamos, se tinha posto mesmo a jeito. Morra, PIM.
Foi quando comecei a cogitar na minha primeira conspiranóia que verifiquei que a pandemia me tinha afetado profundamente.
Descobri então que sofria de uma longa série de problemas mentais com tão variados sintomas que não irei aqui enumerar, como a imprecisão do pensamento, o vagar alucinado do olhar, incapacidade de me fixar em que fosse. Mas eu, aqui, direi nada. De mim não saberão nada. Sou um poço.
É difícil. Nada me ocorreu, nada de brilhante, que não fosse a simples e boçal calúnia, redutível ao básico sim/não. Que deceção.
Como acontece então este milagre do nascimento das conspiranóias? Haverá cursos? Mezinhas?
Nada disso. Tudo acontece nos altos picos das montanhas cujo nome não posso agora revelar, existem ninhos de algoritmos, um animal tão imensamente feroz, com a extraordinária capacidade de se reproduzir de uma forma tão monumental e violenta, gerando tantos e tão numerosos indivíduos que produziu o aquecimento global.

O Lopes? O Lopes é o meu cão.
A sério.