Abrir a gaiola

Desenho de humor José Vilhena

Dava José Vilhena os primeiros passos nas suas criações humorísticas quando, em finais de 1950, a ‘gripe asiática’ ganha terreno na Europa e começam a aparecer casos em Portugal. Nessa altura, Vilhena, para além de fazer a maior parte das capas d’ O Mundo Ri e editar com Paulouro esta revista humorística, colaborava com o Diário de Lisboa assinando cartoons, que alternavam com os de Stuart e de mais alguns autores.

A maior parte das anedotas ilustradas para a rubrica humorística desse jornal são sobre coisas mundanas e crítica de costumes. Mas há também algumas séries temáticas como a da gripe asiática, ou sobre o lançamento do satélite Sputnik.

Calhou, no trabalho de inventariação que tenho vindo a fazer sobre a obra do meu Tio, estar a trabalhar sobre esta época do início da sua obra quando a pandemia começou a encher a televisão e os jornais. Dar o passo seguinte para divulgar esses desenhos foi quase automático. É uma espécie de déjá vu, um regresso ao futuro.

Ler Vilhena ou passar os olhos nos seus desenhos, vale pelo humor em si mesmo, no sorriso ou nas gargalhadas que provoca. Algumas vezes démodé, outras politicamente incorrectas para os dias que correm, mas a maior parte com muito sentido de humor e um traço inconfundível, tanto no desenho com na prosa. Mas é também uma crónica dos tempos cuja viagem vale a pena fazer, nomeadamente a épocas em que os jornais eram visados pela censura, conseguindo o humor alguns subterfúgios para iludir os lápis azuis.

A divulgação da sua obra continuará para mim a ser um prazer. Espalhando por aí os seus desenhos e livros, reavivará a memória dos mais velhos, contemporâneos dos mais de 70 livros de bolso, da Grande Enciclopédia Vilhena, da Gaiola Aberta, do Fala-Barato, do Cavaco ou do Moralista, mas também poderá dar a conhecer às gerações mais novas, a obra deste homem que fez do humor a sua vida.

Vilhena far-nos-á sempre lembrar que no meio das coisas sisudas deverá sempre existir uma gaiola aberta. Um lugar onde o humor possa viver à vontade. Um sítio para rirmos dos outros e do mundo, mas também de nós próprios.

Portugal tem bons humoristas. Mas não têm uma gaiola aberta, porque vivem na casa dos outros. Muitos gritaram Je suis Charlie, há anos. Mas será que pensaram porque não existe, há vários anos, um Charlie Hebdo, um Jueves ou uma Gaiola Aberta em Portugal? Uma gaiola aberta, livre e independente de patrocínios ou de um lápis azul que se traz na própria algibeira sem dar conta. É coisa séria para pensar pois, desde sempre, o país teve várias publicações humorísticas regulares e autónomas e agora, se é que há alguma, desconheço.

Por isso, porque rir é o melhor remédio e tristezas não pagam dívidas, é preciso levar o humor a sério e abrir de novo a gaiola.

Luís Vilhena

Publicadas em Diário de Lisboa, 1957