O exíguo sentido

Poesia Paulo da Costa Domingos

1
Houve a infância
que foi
lençóis brancos batidos: pela brisa;
com avó que pedia
às uvas e macieiras
a sua utilidade.

Houve os pintos da pata
com seu olho de conta observando
a luminosidade tagarela: da criança.

E a infância lá ia falando
com essa promessa de aves e árvores
enquanto a avó passajava
uns quadrados vivos
em cotovelos e joelheiras mortos
pela surrealidade do Tempo.

Ouve os pintos dentro da infância a avó
com as pequenas cristas
erectas ao Mundo.

2
Foi aberta a caixa de Pandora
da obediência civil, o tirano
conseguiu o consenso Universal.

Afinal, o mais barato
de repor nas prateleiras
e expositores: é o medo.

Este medo, de tão profundo,
não tem partido, não tem
cor nem cheiro, casta ou classe:

é somente um desígnio:
de vida – dizem-nos:
um indiscutível imperativo.

3
Voltaram. Já muito grandes.
Lançando uma sombra de asas.
Toda a terra cobrindo: de silêncio
sibilino no sio. Voltaram
e poisam nos parapeitos:
seus olhos de vidro postos
no exíguo sentido
da nossa vida imóvel…

[15 de Março – 9 de Maio, 2020]