T o r p o r

Poesia Pedro Dias de Almeida

Torpor.

Torpor.

Torpor.

Tür, porta em alemão.

Pôr.

Pôr.

Pôr a mesa.

Pôr a cama.

Pôr o dedo. Na ferida.

Tur.

Turismo.

Porismo.

Ismo.

Torporismo.

Turismo, uma digressão para dentro.

Tour de France.

Tour de Force.

Torpedo!

Turbo rápido. 

Tudo pode correr mal.

Descobrir o caminho mais directo entre o sofá e o tecto.

Descobrir o caminho mais directo entre o sofá e o tecto.

Torpor.

Pôr tudo no sítio.

Pôr tudo no seu lugar.

Pôr tudo em pratos. Limpos.

Torpor.

Turvo torpor (a névoa no sofá).

Turbo torpor.

Porvir. O porvir.

O porvir vem devagar.

O porvir bem devagar.

O porvir vem depressa.

O turbo porvir.

O rápido porvir.

Descobrir o caminho mais directo entre o sofá e o tecto!

Ir dar uma volta.

Uma volta eu quero ir dar.

Um tour, para dentro, sem guia.

Entre o sofá e o tecto!

Pôr tudo em casa.

Pôr tudo em causa.

Pôr a mesa!

Pôr a cama!

Pôr a poltrona!

Pôr a cómoda!

Pôr o psiché!

Pôr tudo.

Pôr nada.

Por tudo e por nada.

Tür, porta em alemão.

Pôr o nariz de fora da porta, de todas as portas.

“Quem mora na minha cabeça?”

Pôr entre aspas.

“Quem mora na minha cabeça?”

Pôr Paris no mapa.

Pôr a Guarda no mapa.

Oeiras no mapa.

Pôr a minha casa no mapa.

Pôr o meu sofá no mapa.

Pôr-me no mapa.

Pôr o tecto no mapa.

Pôr o poema no mapa.

Pôr o mapa no mapa.

Atroz turismo.

Hotel turismo.

Torpor.

Um turvo torpor.

O tempo: lento labor do bolor.

Lento.

Labor.

Do bolor.

Não ponho as mãos no fogo.

Não ponho as mãos no fogo pelo fogo.

O caminho mais directo entre o sofá e o tecto.

Mago do inacabado!

Torpor.

Quase morte.

A pequena morte.

A parede branca.

O tecto branco.

A vida branca.

Torpor.

Um tour para dentro.

Todas as datas esgotadas.

Podem abandonar a composição.

Prometemos ser breves.

Este T O R P O R foi escrito em 2018, para ser lido por mim na sessão 28 do ciclo Contradizer da Associação Cultural Calafrio, a 23 de Dezembro desse ano. A sede do Calafrio fica na Rua do Futuro, Rio Diz, às portas da Guarda. A Rua do Futuro, curiosamente, não tem saída. Ou melhor, saída todas as ruas têm: o alcatrão acaba e outro mundo começa. O rio Diz, esse, praticamente não tem água (e nem sequer fala).

Em 2018 mal poderia imaginar como esta espécie de mantra/refrão – “Descobrir o caminho mais directo entre o sofá e o tecto” – ia ganhar toda uma nova ressonância em 2020. Assim como esse “turismo, uma digressão para dentro”. Torpor. É uma bela palavra.

(Foi, entretanto, publicado também no nº 3 da revista A Morte do Artista, publicado em Maio de 2019)