Se as pessoas descobrissem o verdadeiro poder da música, as farmacêuticas iam à falência. Há muitos anos que insisto nesta capacidade de a música nos resgatar de lugares profundos e pouco fecundos (lembrando-me neste instante da canção Espalhem a notícia de Sérgio Godinho onde o fecundo ganha uma musicalidade que dá relevo à palavra e que nunca mais faz da palavra, oca).
As canções são muito mais que boas fotografias de família: são lugares onde queremos voltar e onde nunca ficaremos mal no retrato mesmo que tenha havido instantes de sofrimento. Lembro-me de uma viagem pela Marginal, de madrugada, num táxi silencioso onde perguntei se podia por a tocar o álbum que me levava (lavava?) a alma: Carrie and Lowell de Sufjan Stevens. Lembro-me da beleza infinitamente triste dessa viagem enquanto as lágrimas se misturavam no oceano rente ao asfalto.
As canções erguem monumentos dentro de nós: matam-nos e ressuscitam-nos no mesmo instante. As canções sufocam-me de alegria e engrossam-me o nó na garganta. O meu soro seriam canções.
Canções para a veia directas ao coração. Mexendo com ele. Fazendo-o viver tudo e o nada que ficou por viver.
No Torpor dos últimos meses, as canções viveram dentro de casa, dentro da minha cabeça. Uma palavra e reconstruo uma canção. Uma canção e serei salva.
No Torpor que não tem fim à vista eu ouço. Escuto. Paro. A canção merece a minha atenção.
As minhas canções neste tempo incerto nunca me deixaram mal. Estão nas listas que fui fazendo sentada em lugares diversos. Ouvindo-as depois na rotina repetida que perdeu calendário. Mas as canções, as canções fintam a rotina. Fizeram-nos dançar sem sair do sitio. Levaram-nos pela Marginal, marginais que todos nos sentimos.
Revi há dias “Ferrugem e Osso” de Jacques Audiard e lembro-me de Stéphanie (Marion Cotillard) com metade do corpo em cadeira de rodas a sentir-se viva a ouvir música. A música é uma perna, um braço, são os olhos e os ouvidos. As canções também serão a memória deste tempo em que ficámos presos, quase inamovíveis.
Encontrem-me com os membros todos( de qualquer banda) em inezitainezita no Spotify.
Uma finta ao Torpor.
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