Líricas a Propósito de um Confinamento

Poesia José Gardeazabal

tomaremos dois cafés
faremos listas de supermercado
tentaremos amar outra vez
desta vez sem o corpo
passearemos o cão para passar o tempo
decidir como ocupar a reforma
estamos aqui estamos a falar com o cão
ou seja sozinhos
em vão
porque os nossos queridos animais domésticos
são maus
conversadores

nós somos os da revolução digital
a luta não nos engorda
não nos afoga
a igualdade é uma habilidade
de cabaret
e os outros oh amor!
os outros ainda são o inferno

somos um exército de insetos sossegadinhos

ensinaram-nos a nadar
meticulosamente
para acompanharmos a arca dos animais do lado de fora


há cães
desconhecidos
a decidir o cânone

a estas horas do dia
não é costume termos sentimentos de ocidental
homens entram e saem pelo corredor estreito
simulando nascimentos
o idoso queixa-se que vai sempre parar às mensagens
e depois a menina cala-se

que saudade dos audiolivros para velhinhos
para autocarros

o linguajar latim dos dias da semana

num momento de purificação
pousamos o telefone
para ouvir finalmente vozes
a chamar-nos
para jantar

faça chuva ou faça sol
que faça sol