Não é que eu queira viver isolado

Poesia Vitor Sousa

Não é que eu queira viver isolado.
Antes de tudo, teria de resolver
uma espécie de paradoxo.
Continuo vivo
sem que me esforce assim tanto.
Tenho acordado todos os dias,
sempre de improviso
e não há grande mérito nisso.
Por outro lado,
sou preguiçoso para experimentar
morrer,
uma coisa que parece ser definitiva.
Eu ainda gosto de ser pessoa temporária
e continuo a acreditar no privilégio
de morrer por alguém.
Não há mortos assim,
temporários.
O meu Pai, por exemplo.
Para mim, morreu ou continua a morrer.
Nunca digo que ele está morto,
preciosismo que vale pouco,
mas conheço-o e ele não se dá parado
muito tempo.
Coitado, obrigado a fazer a mesma coisa
há 7 anos.
Mas voltemos ao lugar remoto.
Gostei do sítio
e é verdade que era um sítio isolado,
mas a culpa não é minha.
Vejamos, um deserto.
O deserto só é deserto
por ser bem frequentado.
Um dia, começaram a chegar pessoas
àquele sítio isolado.
Eu fui embora,
claro,
mas a culpa não é minha.
É que descobri um lugar belíssimo.
Por acaso,
também não tinha gente
e a culpa não é minha.
Só cheguei primeiro.