Outrora

Poesia Sérgio Godinho

Outrora, há pouco tempo
sentia o seu hálito.
Era uma matéria próxima
e agora nada se sente nem compreende 
suspendido o movimento comum.

Como dói a perda
e como, mesmo reabastecido
se esgota e esvai
o mantimento do amor comum.

Não se sabe o que se perde
o que para sempre se perdeu.
É esse o momento em que tudo é irreversível.

E logo não. 
Algo o acorda no fundo da noite.
Algo o arranca com garras próprias.
Diz
soletra as palavras. De que são feitas?
Escolhe o abecedário. 
Escolhe qual. Qual é que serve?

Já sente e nomeia, mas ainda 
não compreende o amor que existe
outra vez possível.