Dois sonetos

Poesia Luis Manuel Gaspar

I

Passo, impuro viajante, ao parapeito
da sacada, as pernas de um alvo lilás,
e daí ao véu dos vapores, às grades
no jardim do tabaco, ao eco da gare

Sobrevoo uma cabeça a céu aberto,
o refugo destes mastros sobre o vau
com o som da voz vidrada pelo fumo.
Arrefece-me o caminho, a artéria estala:

Fui fisgado como um peixe na desova,
o esperma coado à luz do reposteiro —
irada a nuvem, erodida nos dentes
em contemplação. Estratos à retina?

Nimbos rosa que se animam no biombo,
largo voo atrás das minas de carvão


II

Posso ir muito bem de camisola grená
se acontecer. Se agora a rosa resvalasse
nos grampos do asfalto e dispersasse o peixe
pela gare até às cinzas. Alguma coisa,

a modesta fumarola, as tábuas nocturnas
tão mal pregadas ao caderno. E vi o mar,
a primeira fornada, o pez entre os palheiros.
Co’a mina gasta resguardei a pimenteira:

A grade rodada em ruína, a sombra dos gatos
no areão. Colo retratos em vidraças,
o rio decantado, o vapor na varanda

Um estrondo apaga os vultos da nossa paragem.
Vêem da rua eclodir as persianas,
e as maçãs que eram pra dar se perdem no gelo