Estou maravilhado. Da janela do meu quarto vejo os cães que desfilam os donos que passeiam os telemóveis. Para que as metáforas alcancem a independência dos cadernos de encargos aguardamos que os passantes sejam acometidos por irrevogável pandemia de civismo.

deitado sobre O Homem Revoltado de Camus
suas garras sussurram-me em moderato cantabile
soubesses tu atravessar o absoluto rastilho do sol

expulsos da ambição dos deuses
tão estranhos a si próprios
nem imagem de sangue lhes sussurrava
a quem entregar a fúria que em si medrava
mas se não era sua a causa daquela guerra
e se a esperança caprichosa se revelara
por que pátria teimavam os homens
se aos seus favoresa morte nem a terra lhes ofertava

anda hoje tão sem governo o comércio das vozes
que a Liberdade tantas vezes ultrajada pelo fogo da
fala
parece agora inadiável causa condenada pelo desnorteda argumentação

Pandemónio
se uns no tecto vêem passear cavalos
e consentem no avanço luxuoso dos delírios
outros há que peritos em cartórios do tédio
libertam o bufo impaciente dos óculos

não será praga imortal esta
que ora vos perturba o medo
outras há que com primitivo fervor
de aspirarem a deuses
vos conduzem os sonhos para o patíbulo

será causa soberana
desabar o sol
sobre as imagens
saturadas pela gula
do sujeito
despir sua falta
de capital sentido

como ansioso rio
despertaram
vivas figuras
melodramas
partituras
sonetos alvoroçados
loucas alturas
aerogramas
dentaduras
beijos estilhaçados
leves usuras
cardiogramas
imposturas
bichos mascarados

anda de ré para lá
não é filho de satanás
nem de deus se conta
ser pai de tal bastardo
é um frenético javardo
este que sobre o nosso
descuido lança
sua gadanha fachocrata

não
nunca é fácil amar a Liberdade
o corpo conhece farto castigo
mas se a voz recusa o freio do dono
mais ela se aclara no acto de Viver

não se rendeu
ao engenho de escravos
da realidade
andarilhou
pelo agreste da solidão
até esgotar o silêncio da cicatriz
